CABIDES E AMOR DA PÁTRIA
"Cabide-o bem!" Com esta frase, colocada na boca de
um velho baleeiro do Pico no romance "Mau tempo no canal",
remete Vitorino Nemésio para uma nota de rodapé
em que esclarece que "cabidar" é um termo do
dialecto picaroto que significa castigar.
Muitos são os jogadores de bridge que se interrogaram sobre
a origem do termo "cabide". Consultados dicionários
diversos, há os que apenas definem o termo tal como o conhecemos
das mesas de bridge, mas há outros que o definem como castigo
e de origem açoriana.
José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico
da Língua Portuguesa, cita uma situação em
que o castigo era aplicado num navio a um marinheiro. Da origem,
pouco mais conseguimos saber. Mas numa tentativa de esclarecer
melhor as questões, acabamos por chegar à fala com
Manuel Tomaz, director do Jornal "Ilha Maior", da Madalena do Pico. O trabalho
de campo por ele feito trouxe alguma luz ao assunto. Os velhos
habitantes da vila recordam-se do termo usado como castigo, caído
entretanto em desuso.
A proximidade das ilhas do Pico e do Faial levou-nos a outra pesquisa.
A colectividade centenária Amor da Pátria, na cidade
da Horta, era o palco descrito por Nemésio como o local
onde se jogava "Whist". O especial posicionamento da
cidade da Horta, quer pelo contacto por mar entre a Europa e toda
a América, quer pelo contacto mantido nas ligações
pelo cabo submarino (todas as notícias de um lado e de
outro do Atlântico eram interceptadas e conhecidas primeiro
na Horta) levou-nos a interrogar se a origem do termo aplicado
às mesas de bridge não terá tido origem nas
mesas de jogo do Amor da Pátria. Os registos anteriores
a 1920 desapareceram num incêndio que destruiu a sede, mas
desde a inauguração das novas instalações,
um fantástico edifício do modernismo português
da autoria do arquitecto Norte Júnior, até aos nossos
dias, há registo de torneios bridge na colectividade, entre
1899 até 1967. Tudo nos leva a pensar que os cabides que
hoje apanhamos, tiveram origem no Amor da Pátria. Quer
seja um regionalismo, ou um arcaísmo que se ficou por terras
do Pico, faz todo o sentido que os castigos do bridge tenham tido
origem no Amor da Pátria.
A Victor Rui Dores e a Manuel Tomaz, um grande obrigado por todo
o trabalho de campo que nos levou a este artigo.
António Eanes